As mulheres são diferentes dos homens, do mesmo modo que uma mulher é diferente de um homem, do mesmo modo que uma mulher é diferente de uma outra mulher, do mesmo modo que um homem é diferente de um outro homem, do mesmo modo que um hermafrodita é diferente de uma mulher, do mesmo modo que um hermafrodita é diferente de um homem, do mesmo modo que essas diferença independem da orientação sexual de cada uma dessas mulheres ou desses homens ou dos hermafroditas. É natural que cada uma das escritas, produzida por cada um desses diferentes, reflita as diferenças. É natural que o reflexo dessas diferenças, em se tratando de literatura – no sentido restrito –, seja intencional. É natural que uma das intenções seja a de procurar compreender o diferente através do uso intencional de uma linguagem própria daquele que é diferente do que escreve. O modo de compreensão que talvez seja o que intenta um conhecimento mais íntimo – mas não necessariamente mais profundo –, que seja o mais destituído de comodismo, é o de colocar-se no lugar do outro. Colocar-se no lugar do outro conforma um exercício de empatia sem resistências, principalmente intelectuais, um exercício de dirimir as diferenças, como se elas não existissem, um exercício de igualdade, já que ela ainda é utópica; enfim, um exercício de existência, quase uma busca apriorística de neutralizar as diferenças. Colocar-se no lugar do outro é um exercício incômodo, mas é um exercício, e isso diz muito no atual momento dos estudos feministas e de gênero.
Se não esqueço de uma situação particularmente reveladora das diferenças valorizadas e, conseqüentemente, determinadoras do ser humano, que é a situação do hermafrodita, é devido ao conto . Quando um ser humano nasce hermafrodita, a opção pelo sexo – feminino ou masculino – é geralmente definida logo após o nascimento, por uma determinação estritamente calcada no discurso da medicina, ou seja, que só leva em consideração as condições fisiológicas do nascente. Mas esse discurso da medicina é baseado no dado histórico que diz que, na nossa sociedade, só podem existir seres humanos ou do sexo feminino ou do sexo masculino. A opção, portanto, é sempre problemática, porque é calcada em um determinante histórico arbitrário ou não ético. Há uma sobredeterminação histórica que recai opressivamente sobre um indivíduo, quando a determinação deveria ocorrer sobre o momento histórico, que deveria eticamente reavaliar, revisar suas predeterminações, a fim de acoplar à sua normalidade arbitrária o hermafrodita. Mónica Da Veiga
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